18 - Saudade e Dor

Erik Wallar


O voo foi tranquilo e, sem nenhum percalço, cheguei à Varna, na Bulgária, terra natal da minha amada Rayka.

Quase dois meses haviam se passado desde o fatídico acontecimento que a afastou de mim para sempre e desde então eu agia no piloto automático, sem saber exatamente o que fazia ou qual meu propósito.

Restou somente o vazio.

No dia anterior decidi ir até aquela casa, onde por duas vezes Rayka e eu estivemos, numa das ocasiões por mais de uma semana, onde ela crescera com sua mãe, Helya.

Não foi difícil encontrar o endereço, o taxista sabia exatamente onde ficava a casa de Rayka Porvoon, a famosa top model.

- Todos nós ficamos profundamente chateados com o que aconteceu.

- Acredito que sim. – eu não estava muito propício à conversas.

- O senhor não deve ser parente, as pessoas dizem que ela não tinha ninguém.

- Tinha a mim.

Ele me olhou pelo retrovisor.

- O senhor era namorado dela?

- Isso faz alguma diferença?

- Não, não, me perdoe. O assunto deve ser bastante desagradável, me perdoe.

O olhei através do retrovisor com cara de poucos amigos e ele finalmente se calou. 

Assim que o carro estacionou no endereço um nó na garganta me sufocou.

- Mais uma vez, me perdoe, só queria ser simpático. – o motorista se despediu ao receber o valor da corrida, mas eu nada respondi.

Não sei dizer o que procurava, talvez uma forma de novamente me sentir perto de Rayka, mas lá estava eu em frente àquela casa imerso em lembranças ao mesmo tempo felizes e dolorosas.

Me debrucei no muro, há alguns meses estivemos ali...

- Boa tarde senhor, me recordo de você. – uma amigável voz me trouxe à realidade, era um dos vizinhos, visivelmente abatido.

- Boa tarde, também me recordo de ti. Olavo, acertei? – um rosto familiar, enfim.

- Sim, sim, o senhor tem boa memória. Infelizmente não me recordo do teu nome.

- Erik, meu nome é Erik, e por favor, não precisa me chamar de senhor. – o vizinho devia ter quase setenta anos.

- Perdão, é o costume.

Alguns minutos de silêncio se seguiram, onde ambos ficamos observando a casa.

- Foi muito triste o que houve... – ele lamentou, com a voz embargada.

- Não imagina o quanto... – concordei no mesmo tom.

- Talvez o senhor queira entrar, ver alguma coisa, creio que não haja nenhum problema nisso. Em breve o governo tomará conta da casa e tudo se perderá, ela não tinha parentes.

- Isso é uma pena.

- Sim, é mesmo. Venha, vou pegar as chaves, venha comigo.

Não sabia ainda o que faria lá dentro, o acompanhei até a casa ao lado e logo já tínhamos retornado.

- Fique à vontade Erik, não tenha pressa, me avise quando for embora, para eu fechar de novo. – o simpático senhor abriu a porta.

- Agradeço, fique tranquilo, não pretendo me demorar.

- Sem problema, o senhor parece ser um bom homem. Fazia Rayka sorrir, percebi o quanto eram felizes juntos, o senhor fazia bem à menina.

- E ela a mim, muito. – uma lágrima teimou em escorrer.

Recebi um amigável tapa no ombro, para então ficar sozinho.

Fechei os olhos, os apertei, tentando conter a emoção que me invadia, e só após suspirar fundo dei os primeiros passos para dentro.

Móveis antigos, feitos de madeira maciça, escura, época em que as coisas eram feitas para durar, decoravam o ambiente.

Admirava cada detalhe, o sofá onde ela provavelmente muitas vezes se sentou... parecia ter sido ontem que eu e Rayka ríamos e brincávamos naquela mesma sala e que ela, a qualquer momento, apareceria com seu sorriso inigualável.

Mas isso não aconteceria, Rayka havia partido, para sempre.

Subi até o primeiro andar, onde ficava seu quarto e ver suas fotografias acabou por vencer minha relutância em chorar.

Sentei-me na cama, a mesma onde dormimos juntos por várias noites, e com seu retrato nas mãos tentei pôr para fora toda a saudade que sentia.

Fiquei ali, chorando e acariciando o retrato, como se pudesse mais uma vez tocar seu rosto.

- Tivemos muitos momentos maravilhosos juntos, meu amor, e isso nada vai apagar... – murmurei, como se ela pudesse me ouvir.

Olhei então para o lado e vi um móvel que me chamou a atenção, coberto por um tipo de manta, aproxime-me dele e descobri tratar-se de um baú.

Grande, repleto de ornamentos, era um belo móvel e seria realmente uma pena o governo ficar não somente com ele, mas com tudo o que havia na casa.

Percebi que um grande cadeado o trancava e achei aquilo estranho, afinal, o que poderia ter dentro dele?

Afastei-me e, com dois pisões, acabei pondo fim ao problema do cadeado.

Assim que abri o baú me deparei com várias peças muito bonitas e que pareciam bem antigas, mas o que chamou mesmo a minha atenção foi um grande embrulho, aparentemente escondido debaixo daquilo tudo.

Retirei as bugigangas e logo já o tinha nas mãos. Era longo e fino, como uma espada, estava envolto em tecido e com um estranho selo gravado, o que estranhamente me remeteu à tempos muito antigos.

Voltei à cama, dispus o embrulho sobre ela e descobri tratar-se de um pergaminho muito, muito antigo.

- Mas o que é isso? – perguntei-me, sem entender como Rayka podia ter algo daquele tipo.

Assim que o desenrolei vi no cabeçalho um brasão que não me era estranho, embora tenha sido impossível identifica-lo de imediato, porém minha surpresa se agigantou ao ler as primeiras linhas: ele estava escrito em sueco antigo, a mesma língua que era falada na Casa Wallar.

Como Rayka poderia entender o que estava escrito nele? Uma modelo se interessaria em estudar uma língua tão antiga como aquela? Por quê?

Mas essas perguntas mostraram-se insignificantes diante do que vim a descobrir ao prosseguir por suas linhas. 

Lembranças há muito adormecidas vieram à tona pois o pergaminho falava de uma antiga ordem de sacerdotisas dedicada ao deus Alfadur, cujo templo, nas montanhas centrais suecas, estava fadado ao iminente desaparecimento.

- O Templo das Sacerdotisas, recordo-me dele, estive lá certa vez, com meus irmãos imortais, para um ritual... Essa história toda, seu desaparecimento, lembro-me disso, nunca mais ouviu-se falar daquelas sacerdotisas... – fiz uma pausa na leitura com a mente repleta de lembranças há muito trancafiadas em um longínquo passado – Mas como Rayka pode ter alguma coisa a ver com isso tudo? Como alguém sabe dessa história toda? O que isso tá fazendo aqui? Que merda é essa?

Fui tomado mais uma vez por aquele pressentimento que me avisava de que algo horrível estava por acontecer, mas mesmo sabendo que o certo era obedecê-lo teimei em prosseguir com a leitura.

O pergaminho falava de muitas coisas, era extenso, até que chegou o trecho que fez com que eu saltasse da cama e me jogasse no chão, desesperado.

Entre lágrimas e gritos vi tudo rodar, meu estômago revirou e vomitei como nunca fizera antes, nem após a pior de minhas bebedeiras.

“Helya, és responsável por dar continuidade à Ordem, zele pelo fruto de teu ventre, a menina imortal, originada no nosso ritual mais sagrado e secreto. Ela, com sua beleza e brilho naturais, será a responsável por um dia trazer luz à um mundo obscuro, imerso em sombras.”

Ergui os olhos até que alcancei o retrato de Rayka sobre o móvel, ao lado da cama.

- Rayka, você era minha filha...

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