Estávamos sem nos ver há duas semanas, o que não era normal, e vislumbrar seu sorriso ao recepciona-la no aeroporto naquele final de tarde era reconfortante.
Não sei dizer o porquê, mas algo em Rayka acalentava meu coração, minha alma, diferente das outras mulheres que tinha conhecido.
Não sei dizer o porquê, mas algo em Rayka acalentava meu coração, minha alma, diferente das outras mulheres que tinha conhecido.
Com elas tinha sido somente atração, admiração, mas Rayka... com ela o Leão parecia se amansar...
No caminho conversamos trivialidades sobre os dias em que estivemos separados, como os casais costumam fazer, já em meu apartamento, pudemos matar a saudade.
Aquelas semanas pareceram uma eternidade...
Após o jantar conversávamos tranquilamente até que seu maroto sorriso deixou claro que algo estava por vir.
- Conheço essa carinha...
- Conhece é? Hum... então sabe que quero te pedir alguma coisa...
- Sim, o que? – algo me dizia que não era algo agradável.
- Vamos sair para dançar?
- Dançar? Pensei que estivesse cansada. A viagem e tudo o mais...
- Que nada, meu amor, estou com vontade de dançar com você.
- Mas eu odeio dançar, sou ruim demais... Essa cintura não foi feita pra isso...
- Pára com isso, já te vi dançando, você manda bem...
- Eu estava bêbado...
Ela riu.
- Não importa, quero dançar com você.
- Tudo bem, vou ligar o som então.
- Não Erik, quero sair pra dançar, uma boate!
Eu apenas a olhei, Rayka sabia que eu odiava aquilo e algo dizia que aquela não era uma boa ideia, mas ela soube me convencer.
Após pouco mais de uma hora já estávamos indo, mesmo contrariado, até uma casa noturna famosa do outro lado da cidade.
Não gostava de agitação, me sentia incomodado em lugares assim, mas raríssimas foram as vezes em que não atendi a um pedido de minha amada.
Como já imaginava o lugar estava lotado e eu mal conseguia disfarçar o mau humor.
- Melhora essa cara, meu querido, vamos nos divertir, confia na sua Ray, vai ser legal... – ela tentava me animar, ainda na longa fila formada para entrar e foi impossível não sorrir diante de sua animação.
Rayka muitas vezes era uma moleca, como naquele momento, mas sabia ser mulherão quando queria, e talvez fosse essa versatilidade que me encantava.
Logo estávamos no interior da casa noturna, mal podíamos conversar por causa da música alta, mas era nítida a felicidade de Rayka, seu sorriso, seus olhos...
Pela mão ela me conduziu até a pista e mesmo desajeitado a acompanhei em várias músicas.
Linda, minha gata dançava bem, esbanjava sensualidade e era impossível não atrair vários olhares.
Eu também atraia, é verdade, mas acho que mais pela forma desconjuntada como dançava do que por outro motivo.
A princípio aquela situação não me agradava nada, mas depois de umas três ou quatro doses de vodka até comecei a me divertir e minha cintura pareceu começar a se soltar.
Enfim eu tinha relaxado, curtia a noite com meu amor sem me importar se estava sendo ridículo ou se olhavam para ela.
“Se”, não, vários caras não tiravam os olhos dela, mesmo vendo que eu a acompanhava e aquilo me irritava.
Mas o azar era deles, quem estava com a garota mais gata da balada era eu, eles que chupassem o dedo.
Na verdade eu preferiria dançar uma música lenta, senti-la laçar os braços em meu pescoço, abraçar sua cintura, sentir o perfume de seu cabelo, mas... o que eu não fazia para agradá-la?
Infelizmente aquela foi a primeira vez em que percebi que as mudanças pelas quais eu estava passando desde que conheci Rayka não eram tão boas.
Um guerreiro não pode perder seus instintos, eu havia ignorado o pressentimento que tive quando ela me convidou para sair, coisa que jamais fizera em centenas de anos.
Foi um grande erro, eu deveria ter dito “não”, por mais que isso a desagradasse.
Após mais uma entre as inúmeras músicas e as incontáveis doses de vodka nos retiramos da pista e Rayka fez um sinal dizendo que precisava ir ao “toilette”.
Sim, um sinal, ouvir o que ela tivesse a dizer era impossível.
Como alguém podia gostar daquilo?
Rayka se afastou e fiquei encostado no balcão observando-a.
Mas eis que o Leão rugiu, como há um bom tempo não acontecia.
Não muito longe do “toilatte” percebi um cara segurando Rayka pelo braço.
Ela se desvencilhou, mas o infeliz a agarrou pela cintura e, caso não virasse o rosto, ele a teria beijado.
Quando o Leão ruge não há tempo para raciocinar, somente o instinto age, e muitas vezes isso pode ser perigoso.
Cheguei até os dois sem me importar se derrubava ou não quem estava pelo caminho e quando os alcancei o agressor foi arremessado ao chão com o soco que lhe apliquei no peito.
De relance vi os olhos arregalados de Rayka, parecia assustada, mal ela sabendo que a “diversão” estava apenas começando.
Sim, o cara que a importunara não estava sozinho e logo mais quatro sujeitos se juntaram a ele.
Observei-os falar e gesticular, não conseguia ouvir nada e isso pouco me importava, no fundo meu desejo era que algum deles tentasse me agredir.
Ele foi atendido.
Pus-me entre Rayka e eles, para então a pancadaria começar.
Para alguém que já derrotara os mais bravos guerreiros de uma época o que eram brigões de balada?
Instinto, a fúria, o Leão...
Eu até permiti que eles me atingissem com um ou outro soco ou chute para que não parecesse covardia, mas não tinha como deixar de ser.
A verdade é que algo pior só não aconteceu graças à Rayka, que ao vê-los caídos no chão atirou-se sobre mim, me abraçando.
Ela segurou meu rosto e me olhou dentro dos olhos, assustada.
- Pára Erik, meu querido, pára... – pude ler seus lábios, tentei olhar para os caras caídos, mas ela puxava meu rosto colocando meus olhos nos dela – Por favor, Erik, chega...
Segurei-a pela mão e resolvemos ir embora.
Silêncio, não havia música, conversa ou risada no carro, parecia não sermos nós quem estávamos nele.
Rayka concordou, com um frio sinal com a cabeça, em pararmos para comer alguma coisa.
Sentados à mesa de uma hamburgueria ela mantinha o rosto baixo, triste...
Seu silêncio era perturbador e eu não sabia o que deveria fazer.
Me desculpar?
- Não era você... ela murmurou, com a voz embargada.
- Engano seu, meu amor. Era eu, sim. Mas aquele era o Erik que eu jamais queria que conhecesse.
Ela enfim olhou para mim.
- Seus olhos, quando te abracei... Não era você, Erik. Olhe para você agora, esse é o meu Erik, o cara que eu amo, com esse olhar carinhoso, doce... – segurei as mãos dela, sem saber o que dizer – O que foi aquilo?
- Ele tentou te beijar... – limitei-me a responder.
- Erik, por favor... Quantos não tentam o mesmo? Você acha que não sei me defender?
Puxei as mãos e as pus por detrás da cabeça.
“Quantos não tentam beijá-la nas festas e eventos em que ela vai?” – o pensamento inundou minha mente, meu peito ardeu.
- Meu amor, olha pra você de novo, porra. Que merda de ciúme é esse?
Sim, Rayka falava palavrão, mas para fazer isso é porque estava mesmo com muita raiva.
- Sim, Rayka, eu sei que deve ter muito cara que tenta te beijar, quando está longe de mim. Não sou cego, você é linda, é claro que isso acontece. Mas uma coisa é tentarem isso sem eu estar perto, outra bem diferente é o cara fazer isso debaixo do meu nariz.
Eu só a chamava pelo nome quando estava aborrecido, ela me conhecia bem e ficou novamente em silêncio. Mas, por mais que me conhecesse, Rayka ainda não tinha sido apresentada ao Leão, como naquela noite.
- Ele me viu com você e não tirou os olhos desde que chegamos naquela maldita boate. Parecia querer confusão, o que você queria que eu fizesse?
- Meu amor, uma coisa é você me defender, ou defender alguma porra de honra, ego ou seja lá o que for, outra muito diferente é você quase matar os caras...
- Matar os caras... – olhei fundo nos olhos dela.
- Se eu não te abraçasse você ia fazer isso...
- Você acha? – perguntei ironicamente.
- Erik, eu vi você batendo neles. O que foi aquilo? Eu nunca vi ninguém brigar daquele jeito, você deve ter algum tipo de treinamento, sei lá, mas o que me deixou apavorada é que você parecia fora de controle. Você ia acabar matando eles.
Eu apenas a olhava, sem nada dizer, mas seus olhos esperavam uma resposta.
- Eu não ia matar ninguém.
- Meu amor, você me deixou apavorada... você parecia um bicho, uma fera...
- Um leão... – completei, segurando novamente as mãos dela, sorrindo.
Decidi usar a mesma arma que por tantas vezes ela usara comigo: o sorriso.
- Isso, um leão, ainda mais com esse cabelo... – ela riu.
- Desculpe ter te assustado, meu amor, mas ver aquele cara tentando te beijar me tirou do sério. Não queria que nada disso tivesse acontecido, aliás, eu nem queria estar lá.
- Eu sei, meu querido. Me desculpa também. Ter forçado a barra, não devia ter insistido para irmos lá, sei que você não gosta, só achei que precisava se divertir um pouco.
- Tudo bem, eu sei que teve a melhor das intenções. Eu estava gostando, não fosse o babaca estragar tudo...
- Não estragou tanto assim. Sabe, gostei de ver você me defendendo daquele jeito, deu uma vontade... – ela piscou um dos olhos, revelando suas intenções.
Fomos interrompidos pela atendente, com cara de sono, trazendo nossos pedidos.
- Vontade é? – me fiz de desentendido, assim que ficamos a sós novamente.
- Sim, hoje quero você, de novo...
O sol já raiava quando chegamos ao meu apartamento e nele o leão e a tigresa puderam mais uma vez se encontrar.
Ver-me em ação realmente deixou Rayka com uma vontade acima do normal, mas a verdade é que ela nunca mais me convidou para ir a uma boate outra vez.
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