21 - Companhia

Erik Wallar

Não era um lugar chique, muito pelo contrário, o restaurante era bem modesto, mas eu gostava dali.

Tinha uma boa comida e era bem aconchegante, já me bastava, não preciso de talheres de prata ou porcelana chinesa.

Nunca fui muito ligado em luxo, ostentação, mas não deixo de lado o bom gosto, prova disso são as belas máquinas que tenho. 

Mas como deixar de admirar Lamborghini´s e Harleys? Confesso esse ser meu “ponto fraco”, e quem não tem algum?

Almoçar lá já se tornara um hábito, sempre o fazia quando não estava viajando, embora pela minha “profissão” ser tão previsível não seja muito recomendável. Mas na verdade não estava me importando com nada disso, afinal, o que alguém poderia fazer contra mim?

Após a refeição montei na minha moto e segui até um lugar isolado que já há muito descobri, à beira de uma represa.

Gosto de lá, um lugar silencioso onde só ouço os sons da natureza: a água, o vento, pássaros... enfim, onde me isolo de tudo e todos, do mundo.

Um mundo que estava me cansando, principalmente diante dos últimos acontecimentos.

Mas aquele dia foi diferente.

Sentei-me à margem, onde pretendia ficar contemplando a bela paisagem e entrar em contato com meus fantasmas, mas tão logo me sentei ouvi o som de um carro se aproximando.

Estranhei, afinal, nas indizíveis vezes em que lá estive nunca apareceu ninguém, e minha estranheza aumentou ainda mais quando ele estacionou.

Permaneci sentado, contemplando a paisagem, mas mantendo os ouvidos atentos.

Alguém desceu do carro e se aproximou lentamente.

- Que lugar lindo! – era uma voz feminina.

Não respondi nada, a última coisa que queria era conversar e a verdade é que mal me lembrava da última vez em que tinha conversado com alguém, com exceção dos meus contatos.

- Se preferir, posso ir embora. – meu silêncio obviamente a incomodou e isso fez eu me sentir mal.

Olhei para ela e meu espanto foi ainda maior ao notar sua beleza.

- Desculpe, fique à vontade, não tem problema.

Sem cerimônia ela se sentou ao meu lado e permanecemos em silêncio por vários minutos, admirando a paisagem.

- Traz uma paz, não é mesmo?

- Sim, traz...

- Olha, é sério, se eu estiver te incomodando, vou embora.

- Me perdoe, é que não costumo ter companhia, muito menos aqui.

- Notei mesmo que você é sozinho, mas não entendo o porquê.

- Tenho meus motivos. – olhei para ela, novamente – Mas você não me é estranha.

- Mesmo? Nossa, pensei que nunca tivesse me notado.

- De onde nos conhecemos? Aliás, como me encontrou aqui?

- Trabalho no restaurante onde você costuma almoçar, sempre te vejo sozinho.

- Estou me lembrando, é verdade, lembro de você. Mas como me encontrou?

- O uniforme faz bastante diferença, né? Bom, na verdade eu segui você quando saiu do restaurante. – ela ficou sem graça.

- Sei, mas pode me dizer por que fez isso?

Ela então me olhou dentro dos olhos e a energia desse contato há muito eu não sentia.

- Porque eu tenho prestado atenção em você já tem um bom tempo e percebi que anda meio triste ultimamente. No trabalho pega mal puxar conversa com os clientes, então pensei que talvez pudéssemos conversar fora de lá.

- Entendo. Tudo bem, mas não sei se tenho muito o que falar.

- Não precisa se fazer de durão, não comigo. Se quiser conversar, tudo bem. – ela pôs a mão sobre a minha.

Ficamos nos olhando por breves instantes e aquilo foi diferente: em seu olhos não notei desejo, mas sim um imenso carinho.

- Menina, você é diferente. Mas, olha, agradeço sua preocupação, seu carinho, mas talvez eu não seja uma companhia muito agradável.

- Por que não seria? Você é educado, inteligente. É estranho, você tem uma meiguice, mesmo por trás desses músculos todos.

Meiguice... eu apenas a fiquei olhando, se ela soubesse do que eu fazia jamais diria aquilo.

Pequenina, morena, cabelos longos, lisos, um corpo muito atraente, ela realmente era linda, e mesmo que naquele momento a última coisa que eu quisesse fosse me envolver sentimentalmente eu não conseguia parar de olhar para ela.

- Você é linda, deve ter um monte de caras interessados em você, provavelmente algum bem menos complicado que eu.

- Obrigada pelo “linda”, mas se eu estivesse interessada em outro cara não estaria aqui com você, não é verdade?

Não sou de falar muito, mas ela conseguiu me deixar sem palavras.

Minha vontade foi de beijá-la, mas me contive e a única coisa que consegui fazer foi apertar sua mão.

- Nem preciso falar, você também é lindo, mas não foi isso que me chamou a atenção. Não sei, seu jeito de olhar, e acho que foi também por nunca ter feito nenhuma gracinha comigo.

Não consegui conter o riso. Há muito tempo não ria, tanto que não consigo me lembrar quando tinha sido a última vez.

A existência me havia se tornado amarga.

- Imagino o quanto de besteiras você deve ouvir, ainda mais trabalhando lá.

- Homens são sem noção, você não tem ideia. E até cantada de mulher eu recebo, acredita?

- Sim, eu acredito. – ri outra vez – O que mais tem por aí são caras babacas.

- Demais. Sabe, não me incomoda ser atraente, o que incomoda é que ninguém se interessa em saber como a gente se sente, o que pensa, nossos sonhos, desejos e tal, as pessoas vêm um rosto, um corpo bonito e caem matando, como se só a beleza importasse.

As palavras dela pareciam ter saído da minha boca.

- Sei bem como é isso. Mas você também se interessou por mim só por me achar bonito.

- Você é bonito mesmo, mas não foi só pela beleza, eu te falei. E você acha que é o único homem bonito que vai no restaurante? – ela era divertida.

- Sei que não, e espero que você não os siga também. – dei risada.

- Bobo.

- Estou brincando com você. Bom, na verdade não sei se faz isso, mas espero que não.

- Engraçadinho você. Todo sério, quieto, quem vê não pensa que é assim brincalhão.

A verdade é que nos últimos anos, muitos anos, só uma pessoa tinha conseguido me fazer ficar daquele jeito, Rayka, e ao pensar nela a tristeza apareceu novamente.

- Desculpa, lindo, falei alguma coisa errada?

- Não, claro que não. É que você faz nascer em mim algo que eu havia esquecido.

- Isso deve ser bom.

- Deve...

Ficamos em silêncio novamente, olhando para a represa, mas com nossas mãos unidas.

- Você fala todo certinho, de um jeito diferente, tem até um pouco de sotaque...

- Obrigado, eu sou assim mesmo.

- É bonitinho, você não parece ser daqui...

- Não, sou de bem longe.

Nossa conversa se estendeu por horas a fio e quando nos demos conta já estávamos abraçados, admirando o sol se pondo do outro lado da represa, por detrás das árvores.

Com o cair da noite chegou o momento de irmos embora e por mais agradável que pudesse ter sido não passamos a noite juntos, cada um seguiu seu caminho, sem promessas ou cobranças.

- Adorei ter te seguido. – ela se despediu com um longo e apertado abraço.

- Espero que me siga mais vezes.

Ela deu uma piscada e entrou no carro.

Subi na moto, fiquei olhando-a ir embora e me surpreendi ao perceber que estava sorrindo.

Sorrir, eu parecia ter esquecido como fazer isso.

Aquela menina me alegrou o coração com coisas aparentemente simples, mas que fazem uma grande diferença: uma conversa amiga, atenção, um abraço, um carinho sincero.

Na grande maioria das vezes são coisas assim que mais nos fazem falta e não propriamente o sexo, embora as pessoas não entendam isso.

O que me encantou naquela menina foi a oportunidade de compartilharmos de todas essas coisas, sem maiores pretensões, simplesmente carinho e atenção.

Ainda não sabia se nos veríamos novamente, mas aquela tarde foi a melhor que tive em muitos meses.

Ela não sabia, mas se tornara especial para mim, sem ao menos dizer seu nome.

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