Naquela noite dormi pouco, não pelo dever de cumprir alguma missão, não havia nenhuma, mas pela simples ideia de que no dia seguinte eu a encontraria outra vez.
Por que me sentia daquela forma?
Para algumas questões não existe explicação, elas são como devem ser e é inútil procurar respostas, devemos apenas aceitá-las.
Ao longo da minha longa jornada me deparei com incontáveis situações em que procurei entender coisas com as quais me deparei, mas tentar encontrar uma lógica para certos assuntos é buscar a loucura, a começar pela minha imortalidade, por exemplo.
Mas, e o amor?
O que eu até então entendia por amor?
Amo a Casa Wallar, que embora não mais exista permanece viva em mim, em meus ideais, no que sou, amava meus irmãos de armas, por quem estava disposto a dar a vida, amo vinho, amo boa comida, belas motos e carros, mas não é a mesma coisa, o que passei a sentir assim que vi aqueles olhos pela primeira vez foi totalmente diferente.
O que Rayka tinha de especial?
Linda, inteligente, meiga, divertida, simpática, sexy? Sim, ela era tudo isso, muito, mas como disse: não dá para explicar.
Por vezes a beleza se torna subjetiva, quantas mulheres não tão belas pareceram-me mais interessantes pela simples forma de ser, de olhar, falar do que outras que ostentavam lindos rostos e corpos perfeitos?
Com Rayka foi diferente, simplesmente houve o que costumam chamar de afinidade de almas, a energia que surgiu entre nós naquela breve troca de olhares foi única.
Isso me desconcertava e não adiantou eu passar a madrugada tentando entender o porquê.
Nunca tinha acontecido e eu acreditava que jamais aconteceria.
Eu já a amava, sim, isso era fato, mesmo que ainda mal a tivesse tocado.
O dia amanheceu e contei os minutos até a chegada da hora do almoço.
Assim que cheguei ao restaurante a atendente me serviu um café, como de costume.
- Boa tarde senhor Erik. Se me permite dizer, vocês formam um lindo casal.
Olhei-a sem entender nada.
- A menina de ontem, Rayka...
- Ah sim. Boa tarde Martha, obrigado, mas acho que não somos um casal. – eu sorri.
- Não ainda, mas a química entre vocês é visível. E devo dizer que fico feliz. Sempre o vejo aqui sozinho, um homem tão bem apessoado como o senhor, sozinho, corta o coração.
Não sou acostumado a receber elogios, aquelas palavras me deixaram sem graça.
Passaram-se alguns minutos e já era a terceira xícara de café que me servia de distração para a ansiedade que me consumia.
Enfim Rayka entrou, linda, com seu sorriso que iluminaria o mais sombrio dos dias, chamando a atenção de alguns dos homens que ali também almoçavam.
O Leão rugiu dentro de mim, tive ímpetos de cegar cada um daqueles que lhe miravam os olhos, mas não havia porquê, seu sorriso era direcionado à mim.
Assim que ela se aproximou eu me levantei e, mais uma vez, pude tocar sua pele com um suave beijo.
- Tudo bem Erik? Posso sentar com você? – ela perguntou como se desconhecesse a resposta.
- Não precisa perguntar, claro que sim.
Assim que nos acomodamos pude notar o sorriso de Martha, do outro lado do salão.
- Onde está Egla?
- Ela disse que precisava fazer umas coisas, mas a verdade é que ela preferiu nos deixar sozinhos. – Rayka me olhava dentro dos olhos.
- Isso é ótimo. – toquei-lhe a mão com ternura.
- Sim, isso é ótimo. – novamente aquele sorriso encantador.
O almoço em si não demorou muito, mas permanecemos no restaurante conversando durante horas até que resolvemos sair para passear um pouco.
Não conhecia muito daquela cidade, embora já estivesse nela há alguns dias, e Rayka me levou até um belo parque não muito longe dali.
Caminhamos um pouco por entre as árvores que iniciavam seu verdejar até que decidimos nos sentar em um banco próximo à um lago e, ali, prosseguimos conversando.
- Não me admira você ser modelo, sua beleza não poderia lhe conferir um trabalho melhor.
- Obrigada, mas você também poderia ser modelo, no começo pensei que fosse, mas como nunca tinha te visto nesse meio... Dentro desse ramo costumamos conhecer todo mundo. Mas você viaja bastante, pelas coisas que me contou, só não disse com o que trabalha.
Olhei-a por alguns instantes sem saber o que dizer.
Deveria contar a verdade? Dizer que matava por dinheiro ou simplesmente por convicção? Correr o risco de afastar quem despertou em mim um tipo de amor que até então desconhecia?
- Você é meio misterioso, gosto disso, como se fosse algum tipo de agente secreto, algo assim... – ela disse em tom de brincadeira enquanto aproximou a mão do meu rosto e começou a brincar com meu cabelo.
- Talvez, alguma coisa do tipo... – nossos olhos se encontraram mais uma vez.
- Se for isso então não pode me contar, não é mesmo? Tudo bem... – ela riu.
- Não agora. Agora quero que saiba de algo mais importante.
- Hum... e o que é?
Lentamente aproximei meu rosto do dela e enfim fiz aquilo que desejava desde o primeiro momento em que a vi: beijei seus lábios.
No início um beijo terno, carinhoso, mas que aos poucos foi se tornando mais impetuoso à medida que nosso desejo crescia.
Ela cessou o beijo e me encarou, séria.
- Erik, o que você quer me dizer de tão importante?
Com o tempo aprendi essa mania que Rayka tinha de fazer perguntas cujas respostas já sabia.
- Que me apaixonei por você desde o primeiro instante em que te vi. – minha mão atestava a maciez de sua pele, acariciando-lhe o rosto.
Rayka sorriu.
- Meu lindo, você é adorável. Mal dormi essa noite pensando em te ver de novo. – ela gostava de brincar com meu cabelo.
- Nossos mundos parecem ser diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos...
- É verdade, mas não vamos nos preocupar com isso, o importante é que estamos aqui, juntos... Vamos viver o presente, pra que nos preocuparmos com as incertezas do futuro?
Sua frase me surpreendeu, tão jovem e tão sábia...
- Sim, devemos nos preocupar com o agora.
Novamente nos beijamos, um beijo longo que seguiu por vários, muitos minutos, até percebermos que o sol estava se pondo.
- Está esfriando... – ela esfregou as mãos.
- É verdade, melhor te levar para casa. – segurei-lhe as mãos, aquecendo-as.
- Não queremos que eu fique resfriada, e nem você, grandão.
- Não precisa se preocupar comigo, fique tranquila, eu raramente adoeço. – levantei-me e a trouxe para junto de mim antes de começarmos a caminhar.
- Me preocupo sim, agora que é meu tenho que cuidar de você.
- Ah, então eu sou seu? – dei risada.
- Claro que é, agora que te conheci não vou te deixar escapar tão fácil... – Rayka também riu.
- Fico feliz em saber disso, mas então também devo cuidar de você.
- Deve mesmo, quero ver se vai cuidar direito.
- Acho que consigo. Para começar vou te levar para tomar um bom vinho, assim você se esquenta.
- Ótima ideia, eu adoro vinho, principalmente em boa companhia...
Logo deixamos o parque e adentramos mais uma vez a cidade, que mantinha seu constante vai e vem de pessoas.
Mesmo com a temperatura caindo não tínhamos pressa, caminhávamos tranquilos, abraçados, como se desejássemos que aquele momento nunca terminasse.
E eu realmente queria que isso fosse verdade, que aquele momento fosse eterno, assim como eu parecia ser.
Meu coração ficou pequeno ao pensar sobre isso.
Já havia me afeiçoado há várias pessoas, das mais diversas maneiras, para no final elas partirem, deixando-me sozinho.
Sempre esteve totalmente fora de cogitação me apegar novamente à alguém diante da dor que a inevitável separação me traria.
O que eu estava fazendo então?
Prosseguimos caminhando, abraçados, Rayka falava algumas coisas com sua habitual alegria, mas meus pensamentos se sobrepunham às suas palavras.
Sim, eu havia me apegado novamente, mais que isso, estava apaixonado de uma forma como jamais acontecera. A dor da separação seria ainda mais terrível.
Meus olhos marejaram, a confusão de sentimentos dentro de mim era brutal, torturante, e por sorte Rayka não conseguia perceber nada disso.
Por um instante cogitei soltá-la, despedir-me e nunca mais voltar a vê-la, mas como Rayka entenderia uma atitude assim? Eu há pouco disse estar apaixonado...
Deveria tomar uma decisão quanto à toda aquela situação.
Em uma esquina cessei meu caminhar e a trouxe para minha frente.
- Rayka, perdoe-me se isso de alguma forma te magoar, não quero que pense nada de ruim sobre mim...
Por um breve instante ela me olhou com seriedade, mas logo seu sorriso surgiu novamente.
- Vai me dizer que é casado? Escondeu a aliança no bolso? – o tom de brincadeira dela me desarmou, fazendo-me acompanha-la em seu riso.
- Não, não, Rayka, não sou casado. Estava pensando no que disse há pouco: vamos viver o presente, sem nos preocuparmos com o que está por vir. – novamente mergulhei naquela imensidão verde de seus olhos.
- Sim, isso mesmo, que bom que você entendeu. – ela piscou um dos olhos.
- Então não fará mal juízo de mim se eu te convidar para passar essa noite comigo.
Ela revirou os olhos, pensativa.
- Farei mal juízo se me convidar para uma noite só...
Sorrimos, nos beijamos e, abraçados, fomos para o hotel onde estava hospedado.
Aquela seria a primeira noite de muitas outras que passaríamos juntos.
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