12 - O Leão e os Ursos

Casa Wallar

Aquela não foi a primeira e nem seria a última vez que um Senhor de outra Casa solicitaria a ajuda de Wallar.
Um mensageiro havia chegado no início da noite, sob as ordens de Serg, Senhor da Casa Wralel e quando ele se reuniu com nosso Senhor, Eron, eu e meus irmãos de armas já sabíamos que uma batalha nos aguardava.

Na manhã seguinte nossas tropas partiram. Por estarmos na primavera a viagem levaria pouco mais de um dia, tempo suficiente para que eu preparasse meu espírito para o que estava por vir.

Wralel estava, há três dias, sob o cerco das tropas de Deyar, Senhor dos Kozik, uma nação guerreira que volta e meia se envolvia em conflitos com outras Casas.

O exército de Wralel não era numeroso, sua prioridade era o estudo das artes da magia, uma Casa pacífica que não possuía nada que a defendesse, além de suas muralhas.

Eron palestrou, antes de partirmos, a respeito dos motivos do ataque dos Kozik, mas confesso que não prestei atenção, para mim quem executava uma atitude covarde como aquela merecia nada menos do que sentir o gosto do aço, não importava o motivo.

Até então nunca precisamos enfrenta-los, mas sabíamos que cedo ou tarde isso aconteceria, e chegara a hora.

Ao longe pudemos ouvir os urros do exército e o ressoar das espadas e machados se chocando, eram os Kozik intimidando os habitantes de Wralel.

Meu sangue fervia ao imaginar o horror que sentiam.

Logo avistamos as lindas torres da Casa e entre nós e ela, o exército inimigo.

Eron, à frente de nossas tropas, chamou-me para junto dele.

- Erik, me acompanharás para a negociação, mas ordeno que controles o leão, não haverá embate. Aprenda uma coisa: um Senhor jamais ataca outro Senhor, então mantenha-se tranquilo, confie em mim.

- Como desejar, Senhor.

Montados em nossos garanhões negros nos aproximamos das tropas inimigas até paramos há algumas dezenas de metros deles. Logo dois homens, também em seus animais, deixaram a tropa inimiga e vieram ao nosso encontro.

- Meu nome é Deyar, sou o Senhor dos Kozik e reconheço teu estandarte, és Eron, Senhor dos Wallar.

- Exatamente, e suponho que saibas o motivo de eu e minhas tropas estarmos aqui.

- Certamente sei, sabia que minha investida atrairia tua atenção. Vieste em defesa dessa Casa, como previa.

- Se previste isso sequer deverias ter vindo, pois sabes que não permitirei que prossigas com isso.

- Sei disso, mas fico curioso, o que te faz supor que teu exército possa derrotar o meu?

Eron sorriu para mim, que gargalhei de forma provocativa.

- E quem é esse que ri? – irritou-se o acompanhante de Deyar.

- Um fiel guerreiro que se manifesta somente quando seu Senhor lhe concede permissão, ao contrário de ti. – respondeu meu Senhor, de forma ríspida.

- Embora conheçamos a fama dos Wallar ela não nos intimida. Ao iniciar essa investida já tinha em mente que nosso encontro ocorreria Eron e tenho uma interessante proposta a lhe fazer...

- Prossiga...

- Creio não estarmos dispostos a entrar em combate, perder homens, essa seria uma última e drástica alternativa. Honestamente acredito que essa casa não valha isso. Ofereço-lhe então uma solução digamos mais “amigável”.

- Sim, retirem-se e nunca mais retornem, dessa forma o conflito será evitado, a solução é simples.

- Ora, ora, não viajamos tantos quilômetros para isso. Nós, os Kozik, somos guerreiros, partir pacificamente não é uma opção. Tenho uma ideia melhor.

- E que ideia seria essa?

- Ouço muitas histórias sobre um tal Leão Branco. Dizem que ele é imbatível, mas tenho minhas dúvidas, ele nunca enfrentou um Kozik... Podemos mudar isso hoje, então o que acha de o meu maior guerreiro enfrentar esse Leão? Resolvemos essa questão toda da Casa com uma única luta e também descobrimos qual é o melhor guerreiro, o que achas disso?

- Tua proposta é sensata, Deyar, mas vieste até aqui somente para isso?

- Não me agrada a fama de “melhor guerreiro” ser atribuída à alguém que não um Kozik. Hoje provarei que esse Leão Branco não passa de uma falácia.

Não pude conter a gargalhada.

- És o tal Leão Branco, estou certo, guerreiro?

Eron consentiu com a cabeça, dando-me permissão para falar.

- Sim, Deyar, sou Erik Wallar, conhecido como Leão Branco e hoje saberás que minha fama está muito longe de ser uma falácia.

- Sim, desde que o vi notei em teus olhos a fúria de um verdadeiro guerreiro, entretanto lamento informar que hoje eles se fecharão.

- Lamentável teres montado todo esse circo somente para descobrires o óbvio... – meu Senhor, com um gesto, pediu para que eu me calasse.

- Aceito tua proposta, Deyar. Se preferes resolver a questão dessa forma, estou de pleno acordo. Preparem-se então para partir, mas apenas por curiosidade: suponho que esse tal guerreiro que afirma ser melhor que meu Leão Branco não seja esse que o acompanha... – as palavras do meu Senhor fizeram-me rir.

- E a hiena ri novamente... – resmungou o outro.

- Por certo que não, esse é um dos meus filhos, cuja língua não lhe cabe na boca. – Deyar o olhou com reprovação.

- Se ele fosse o oponente do meu Leão sugeriria que trouxesse uns cinquenta como ele, para que talvez tivesse alguma chance de vitória.

Os olhos de Deyar transbordavam ira.

- Se julgas que teu guerreiro é assim tão fabuloso o que me diz de ele combater não somente um dos meus guerreiros, mas sim dois?

- Disseste que o teu guerreiro poderia vencer meu Leão, percebo que não confias em tuas próprias palavras.

- Dois dos meus, um do seu, e evitamos uma provável carnificina, o que me diz?

Eron olhou para mim, respondi com um gesto de indiferença.

- De acordo, prepare teus guerreiros e instrua tuas tropas, dentro em pouco estarão de partida. Boa sorte, Deyar.

- Desejo-lhe o mesmo, Eron.

Seguimos de volta às nossas tropas, no que fomos imitados pelo inimigo.

- Senhor, Deyar criou toda essa situação somente para pôr minha fama à prova? – indaguei no caminho de retorno.

- É o que me parece. Infelizmente o orgulho dele fala mais alto, chega a ser ridícula essa situação, mas algo me vem à mente...

- E o que seria, meu Senhor?

- Talvez devas, no futuro, perderes alguma batalha, para assim os invejosos se aquietarem e evitarmos situações como essa...

- Perdoe-me, meu Senhor, mas isso está fora de questão.

Eron riu.

- Senhor, poderia sanar-me uma dúvida?

- E qual seria, Leão?

- O que é uma hiena?

- Quando voltarmos à Wallar te explicarei isso. – ele riu novamente.

- Como preferir, meu Senhor.

 Não foi necessário muito tempo e logo trombetas ressoaram de ambos os lados indicando que tudo estava pronto para o confronto.

As tropas então avançaram até estarem separadas pelas poucas dezenas de metros que serviriam de palco para aquele embate.

Desci de minha montaria e segui adiante, acompanhado pelo meu Senhor. 

Deyar, acompanhado por seus dois guerreiros, fez o mesmo.

- Guerreiros de Kozik, hoje provaremos que não há guerreiro no mundo melhor que um dos nossos! Homens de Wallar, conheçam os gêmeos guerreiros Lottar e Otto, os Ursos Negros! – os dois deram alguns passos à frente e, por incrível que pareça, eram um pouco maiores que eu, ainda que isso não fizesse diferença.

- Homens de Wallar, já conheceis nosso Leão Branco, e hoje os homens de Kozik conhecerão, da pior maneira, o porquê da fama que ele possui! Deyar, estejas pronto para seguires de volta para tuas terras ao término do espetáculo!

Dei alguns passos à frente e os dois Senhores retornaram para junto de suas tropas.

A arena, enfim, estava pronta.

Empunhava meu machado de batalha e tinha uma espada à cintura, embora soubesse que dificilmente a utilizaria.

Já os “Ursos Negros” carregavam, cada um, seu machado e um pesado escudo.

Grandes, com pesados escudos, por mais fortes que pudessem ser a estratégia já demonstrava estar errada, eram lentos demais.

Uma batalha começa a ser vencida antes de se iniciar, um verdadeiro guerreiro sabe disso, e pude notar no semblante dos gêmeos o receio que surgiu assim que encararam o olhar furioso do Leão.

O combate durou o tempo que julguei necessário, um pouco mais do que o habitual, não queria apenas uma vitória, mas sim um show.

Os dois eram fortes como dois ursos, habilidosos, isso era verdade, mas se tais qualidades não estão aliadas à agilidade e inteligência, deixam de ser um fator relevante.

Não senti prazer algum ao tirar a vida de dois bons guerreiros apenas para satisfazer o orgulho inconsequente de Deyar, aquele homem me enojava.

Prefiro pensar que o fiz para proteger a Casa Wralel e seus habitantes, além de seguir as ordens do meu Senhor.

Ao término do confronto a comemoração dos meus irmãos de armas contrastou com o profundo silêncio das tropas de Kozik, cuja retirada se iniciou assim que os corpos dos brutamontes foram recolhidos.

Em meio às tropas inimigas encontrei os olhos de Deyar.

- Eu sou o Leão Branco, sou Erik Wallar, e estejas certo de que na próxima ocasião em que nos encontrarmos o corpo a ser carregado será o teu! 

Eron veio até mim e pôs a mão em meu ombro, ele me conhecia e tinha consciência do repúdio que sentia por aquela situação.

- Vamos embora Leão, cumprimos nosso papel. Ataca-lo somente iniciará um confronto desnecessário.

- Sim, meu Senhor, tens razão.

- Infelizmente o mundo está repleto de homens assim, ele não é o primeiro e certamente não será o último. Vamos andando, a Casa Wralel está em segurança.

Sinto orgulho de quem sou, de minhas origens, de defender minha Casa por tantos anos, da fama que tenho de ser um guerreiro imbatível, mas orgulho mesmo sentiria se o mundo fosse um lugar onde o derramamento de sangue em nome da justiça fosse desnecessário.  

2 comentários:

Mara Scotti disse...

A cada vez que leio um dos episódios da saga de Erik Wallar, percebo o quanto este guerreiro é notável. Parabéns ao escritor, tem consigo me cativar a cada dia. Estou adorando a narrativa, pois é muito envolvente.

Unknown disse...

Lindo! Perfeito.
Realmente o mundo seria bem melhor sem o derramamento de sangue.