4 - Nova Vida

Erik Wallar

Após o episódio da taberna seguiram-se alguns dias até que eu deixasse a modesta vila, sob os protestos dos moradores que viam em mim seu protetor.
Mas não era meu objetivo nela fazer morada, eu desejava seguir para mais longe, longe da minha Casa, das memórias...

Passaram-se algumas semanas até que, após a travessia do Mar Báltico em uma confortável embarcação, enfim aportei naquele continente onde por incontáveis vezes já estivera, mas dessa vez era diferente.

Sozinho, sem rumo, não mais tinha os companheiros de batalha ao meu lado, não havia nenhum objetivo, e uma estranha sensação tomava conta de mim.

Eu apenas estava ali, sentia-me estranho, vazio...

Olhava ao redor e tudo parecia belo, estranhamente belo, uma beleza que sempre existiu, mas que eu jamais havia notado. As edificações, as paisagens, as pessoas...

A ausência da guerra revelava à mim um mundo novo, belo e aconchegante.

Porém, se havia algo que aprendi ao longo dos meus então quase trezentos anos de existência, é que o perigo muitas vezes se esconde por detrás da beleza.

Estava no que hoje é o norte da Alemanha, a primavera se iniciara, o que tornava as vilas mais movimentadas, alegres, e a amistosidade dos habitantes por diversas vezes fez brotar um sorriso nesse rosto que até então poucas vezes esboçou felicidade.

Adquiri uma modesta propriedade nos arredores de Lubeck, onde tentei levar uma vida comum, como qualquer outra pessoa, mas a verdade é que aqueles quase dois meses foram-me torturantes.

Cuidar da plantação, dos amimais... definitivamente eu não havia nascido essas atividades, porém não sabia o que fazer para deixar aquela enfadonha existência.

Mas o destino sempre se encarrega de pôr nossa vida nos eixos, basta termos paciência e manter a cabeça no lugar.

Era início da manhã, tomava meu desjejum com ovos e leite, quando ouvi meus cães dando o alarme.

Fui ver do que se tratava e encontrei três homens ao portão, acuados.

- Saudações, o que os trazem até minha propriedade? – cumprimentei, já próximo deles, afagando meus animais.

- Saudações, senhor. Procuramos Erik, e ao que nos parece, o encontramos. – respondeu o mais velho.

- Sim, sou eu mesmo, em que posso ajuda-los?

- Gostaríamos de solicitar teus préstimos, seria possível entrarmos para conversamos de forma mais sigilosa?

Aquilo tudo era estranho. O que poderiam querer de alguém que então nada mais fazia do que cuidar dos animais e da plantação?

Acomodados à minha sala, enfim começaram a falar.

- Primeiramente pedimos que nos perdoe pela intromissão, mas o caso exigiu que viéssemos até ti. Necessitamos de alguém que possua tuas habilidades, e, acima de tudo, teu caráter. – o mais velho era o porta voz.

- Criar galinhas e porcos, cultivar hortaliças, não sou tão bom nisso para que possa lhes ajudar...

Os três se entreolharam e sorriram.

- Desculpe-nos, porém sabemos quem és, tua fama corre longe, e embora tentes levar uma vida comum, sabemos de suas reais habilidades. – prosseguiu o outro, de farta barba branca.

Em silêncio, apenas os olhava, esperando que prosseguissem.

- És Erik, da Casa de Wallar, mais conhecido como Leão Branco, e precisamos que nos ajude.

- Tua identidade é mantida em sigilo e são pouquíssimos aqueles que a conhecem, quanto a isso estejas tranquilo. – disse o mais velho.

- Como sabeis quem sou? Não me revelei a ninguém... – a situação era desconfortável e começava a me irritar.

- Meu pai, um ex soldado que agora trabalha no porto, esteve na batalha de Nadyn e o reconheceste ao desembarcar, há alguns meses. Mas peço que fiques tranquilo quanto a isso tudo, tua identidade é de conhecimento de poucos.

- Nadyn, foi uma bela batalha, uma das últimas que travei, com uma gloriosa vitória. Mas, o que quereis? – indaguei com seriedade.

- Somos comerciantes da cidade de Hamburg, próxima daqui, e temos enfrentado problemas com bandidos que estão a aterrorizar a região.

- Compreendo, mas creio que esse assunto deva ser resolvido pelas autoridades locais.

- Por certo, se elas ainda existissem. – resmungou o baixinho, que até então permanecia calado.

- Os bandidos mataram vários guardas e seu chefe, os que não foram mortos fugiram para não terem o mesmo destino, estamos desprotegidos. – completou o mais velho.

- Guerreiro Erik, estamos aqui suplicando tua ajuda, sabemos de teus feitos, e estejas certo de que és nossa última alternativa, não desejávamos perturbá-lo... – insistiu o barbudo.

De cabeça baixa comecei a pensar, enquanto coçava a barba.

- Leão Branco, minhas duas filhas foram estupradas por aqueles malditos, a situação está fora de controle, eles fazem o que querem e quando querem. Por favor, ajude-nos, estamos dispostos a pagar o quanto for... – disse o baixinho, enquanto lágrimas corriam pelo rosto.

Suas palavras foram o necessário para que eu tomasse minha decisão.

- Os ajudarei, não tolero esse tipo de coisa. Porém, exijo que minha real identidade não seja difundida, e quanto ao pagamento, não necessito de muito, como podem ver.

O choroso homem então se ajoelhou diante de mim e fez menção de beijar-me as mãos.
Levantei-me e, segurando-o pelos ombros, o pus em pé.

- Senhor, não há necessidade disso.

- Agradeço imensamente, bravo Leão, tua fama é verdadeira.

- Desconheço tal fama que mencionas, mas por certo não tolero as atitudes que me disseram. Os ajudo de bom grado, e estejam certos de que nunca mais esses infelizes os importunarão.

- Senhor Erik, agradecemos muito, quando poderás ir até Hamburg? – indagou o mais velho, agora também em pé.

- Assim que eu me vestir de forma apropriada e juntar o que preciso. Aguardem-me aqui.

A expressão de felicidade dos três foi contagiante.

Após tanto tempo eu enfim tinha algum objetivo, alguma utilidade, e minhas habilidades poderiam ser utilizadas de forma proveitosa.

Embora ele seja necessário, não faria pelo dinheiro, mas sim por minhas convicções.

Um guerreiro não foi feito para criar animais e cultivar hortas...

Um comentário:

Fernanda9118 disse...

Alguém sente falta da guerra.