Dias atuais...
A última madrugada foi bastante agitada.
Fui contratado por uma agência do governo para pôr fim à uma rede de pedofilia que atuava na cidade.
Sim, uma agência do governo.
Sim, uma agência do governo.
O objetivo não era somente apreender o material que distribuíam, libertar as crianças que estavam sob seu julgo e prender os envolvidos, não, minha missão foi liquidar definitivamente todos os envolvidos, coisa que não seria ético fazerem.
Não para eles, para mim foi um prazer.
Visitei diversos endereços, nos quatro cantos da cidade, pus fim a todos os imundos que encontrei, destruí o material nefasto que possuíam, me deparei com coisas que sequer ouso mencionar tamanho asco que ainda sinto, mas a missão foi cumprida com perfeição e antes do sol nascer eu já estava de volta à minha cobertura, aos meus fantasmas...
Na manhã seguinte a mídia se deliciava com o caso, principalmente porque entre os mortos estavam pessoas famosas, algumas bastante influentes, um prato cheio para os sensacionalistas que tripudiariam sobre o ocorrido por dias.
Pedófilos imundos não merecem nada menos do que lhes fiz, perdi as contas de quantas vezes os eliminei sem receber um centavo sequer, mas há contas a serem pagas e não é viável trabalhar sempre de graça.
Após algumas horas de descanso decidi dar uma volta para limpar a mente dos demônios que dela se apoderaram nas últimas horas.
Almocei em um shopping e fiquei perambulando, vendo vitrines, como as pessoas comuns costumam fazer.
Ninguém sequer supõe quais são minhas atividades, o tipo de vida que levo, quais são meus medos, meus anseios, tudo o que vêm é um cara bonito, bem vestido, e isso já lhes basta.
As pessoas são rasas, superficiais e isso me irrita bastante.
A beleza abre portas, sim abre, mas não deveria ser dessa maneira, ela é traiçoeira.
Não serei hipócrita em dizer que um corpo bonito não desperta desejo, é óbvio que desperta, amo belas mulheres, entretanto se elas tiverem um péssimo caráter, todo o desejo desaparece.
Muitas vezes uma mulher que não corresponde aos padrões de beleza é mais interessante pelo seu conteúdo, seu sorriso, sua forma de falar, de pensar, do que uma toda trabalhada em horas de academia que sequer fala corretamente.
Mas é melhor deixar as divagações para outra hora...
O dia já estava terminando, era um final de tarde agradável onde a amena temperatura me convidara a permanecer pelas ruas mais do que de costume.
Já deixara o shopping, estava do outro lado da cidade, em uma rua comercial de um bairro chique, bem frequentado.
Não sei bem o que ainda procurava, acredito que apenas distrair-me ou tentar encontrar algo que preenchesse o vazio que carrego no peito, mas lá estava eu caminhando de volta ao estacionamento onde deixara minha moto.
Absorto em meus pensamentos ouvi, do outro lado da rua, uma acalorada discussão e minha atenção então se voltou ao casal.
- Não fui eu, já disse que não fiz nada, querido! – a mulher chorava.
- Eu sei que fez, eu vi, por que você ainda nega? – o homem, com quase o dobro de seu tamanho, a segurava pelo braço.
Os transeuntes sequer davam atenção, continuavam seu trajeto sem se importarem com o que estava acontecendo.
Um dos males do ser humano, a ausência de compaixão, de empatia...
- Não, é mentira, por favor, não me machuque de novo... – seu tom de voz era de desespero e suas palavras já aguçavam meu instinto protetor.
- Machucar? Você acha que eu te machuco? Por que você me faz de otário então? – ele sacudia o braço dela.
- Meu amor, eu nunca fiz nada, por favor, pára, não me machuque mais!
- Você merece, vagabunda! – ele gritou, desferindo um tapa em seu rosto.
Não houve tempo para raciocinar, quando dei-me conta eu já havia atravessado a rua e lhe aplicava uma chave no pescoço.
O semblante da mulher já não mais esboçava pavor, mas sim espanto, ao vê-lo dominado.
- Me solta! Me solta! – ele gritava, se debatendo, na tentativa de se defender.
Mas o grandalhão não era uma pessoa comum, era um lutador, provavelmente de judô, e isso ficou evidente quando, com um movimento de quadril, me arremessou sobre ele, jogando-me no chão.
Mesmo surpreso com a inesperada reação me levantei a tempo de defender o chute que desferiu.
Covarde duplamente, um lutador, que deveria ter consciência de sua força, agredir uma mulher.
Meu sangue ferveu ainda mais.
Dois socos no meio da cara e ele já estava mansinho, deitado no chão.
- Então o valentão gosta de bater em mulher... – falei entre os dentes, partindo para cima dele.
Violência contra mulher, algo para mim intolerável, e provavelmente eu o teria moído na pancada, ou feito algo pior, se não fosse a mão que me segurou pelo braço.
- Por favor, moço, não machuque ele...
Arregalei os olhos, surpreso, olhei então para a mulher e notei que, mesmo com a maquiagem tentando disfarçar, ela tinha um hematoma no rosto.
- Por que o defende, mulher? Ele a machuca, veja seu rosto, e irá fazer de novo...
Ela baixou os olhos tristemente.
Olhei para o outro, deitado no chão, nariz sangrando, atordoado, com dois dentes visivelmente lhe faltando.
- Posso fazer com que isso nunca mais aconteça... – murmurei, tocando-lhe o queixo, voltando seus olhos para mim.
- Não precisa, eu o amo... vá embora, deixe ele em paz.
Aquelas palavras fora-me mais contundentes do que qualquer pancada, fiquei desarmado.
Olhei-a por alguns instantes, consenti com a cabeça e segui meu caminho.
Por cima do ombro vi aquela mulher que mesmo maltratada ajudava seu agressor a se levantar.
Não consigo compreender como ainda existam aquelas que, mesmo sendo feridas, humilhadas, permanecem presas à relacionamentos abusivos.
Infelizmente talvez elas tenham se acostumado a tão horrível realidade, ou nunca tenham conhecido o amor verdadeiro, aquele que traz calmaria, aconchego, respeito, proteção, ternura, paixão...
Por maior que fosse minha ânsia de livrá-la daquela situação, nada pude fazer sem que ela assim o quisesse.
Quantas mulheres não levam uma vida como a daquela mulher, com medo, dor e sofrimento?
Segui até o estacionamento, montei em minha moto e tentei fazer com que o feroz ronco do motor retirasse a tristeza do meu peito, que naquele instante tornou-se quase insuportável...
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