6 - Amor Fraterno

Erik Wallar

Eu poderia lhes falar sobre as várias missões que executei, mas no momento prefiro poupar todos vocês de tanta violência, entretanto contarei essa história que para mim foi bastante peculiar e tentarei não mencionar os pormenores acerca dela.
O aguardava no local indicado, uma movimentada praça daquela cidade não muito populosa.

Foi fácil reconhece-lo quando se aproximava em meio aos transeuntes: o olhar abatido, a postura levemente arqueada, o corpo muitas vezes fala mais que as palavras.

Ele se sentou ao meu lado e ficou em silêncio.

O olhar de dor daquela rapaz me cortou o coração e, embora eu nunca tenha gostado de homens que se fazem de vítima, podia entender o que sentia.

Sua irmã havia sido violentada e barbarizada, não somente ela, mas também várias meninas da região onde ele morava.

Sim, meninas, jovens entre quinze e dezenove anos.

A cada palavra que ele pronunciava o sangue em minhas veias fervia.

- Senhor Wallar, por favor, dê um fim aos miseráveis, faça com que paguem pelo que fizeram e nunca mais façam de novo... – ele, de uns vinte e poucos anos, me estendeu a pequena bolsa de moedas.

- Jovem, já disse que não é necessário.

- Por favor, eu insisto, fique com elas, se não as quiser, as dê a alguém que precise, mas fique, é o mínimo que posso fazer.

Apanhei a bolsinha de sua mão trêmula, junto com o papel onde ele anotara as informações necessárias.

Em seguida ele partiu sem dizer mais nada, deixando-me sozinho naquela praça, somente com meus pensamentos.

Dois irmãos, cujo pai de índole condenável que possuía muitas propriedades e sentia-se o dono do mundo, eram os autores das atrocidades, mas não por muito mais tempo.

Já os vira em outra ocasião, fanfarrões que não me inspiraram simpatia alguma, e embora tivesse ouvido falar dos casos de violência, não imaginava que pudessem ser os autores.

O ódio que então passei a sentir por eles era gigantesco.

Eu poria um fim àqueles dias de barbárie, naquela mesma noite.

Quando enfim o sol se pôs a noite de outono tornou-se ainda mais fria.

Segui até o endereço onde estava ocorrendo uma festa, uma bela propriedade cercada por vistosos jardins por detrás de uma enorme muralha.

Provavelmente minha entrada não seria permitida uma vez que não havia sido convidado, mas eu já sabia que eles estavam lá.

Sentei-me na rua de pedra, não muito longe do local, o suficiente para observar quando os dois saíssem.

As horas já seguiam altas, as estrelas faiscavam no céu límpido, e embora muitas pessoas já tivessem se retirado da festa eu ainda não os avistara.

Poderia entrar e fazer meu trabalho, mas isso me obrigaria a deixar a cidade, o que não estava em meus planos naquele momento.

Não tinha pressa, uma hora eles sairiam, e eu os alcançaria.

A paciência é uma virtude, embora por vezes eu a deixe de lado.

É bem verdade que a demora deles só fazia minha ira aumentar ainda mais, para azar deles, e não foi difícil notar quando enfim saíram pelo portão: cada qual acompanhado por uma jovem, falavam alto e não poupavam gracejos com as duas.

Como não residiam muito longe dali sabia que iriam a pé, me pus então a segui-los de uma distância segura, até que acelerei os passos para chegar até eles.

- Boa noite, cavalheiros... – falei calmamente por detrás deles, quando os alcancei.

Todos se voltaram para mim, olhando-me da cabeça aos pés, as garotas com um sorriso lascivo, já eles com certo espanto.

- Em que podemos te ajudar, cidadão? – indagou o menos obeso.

- Não me parece precisar de dinheiro... – completou o outro.

- Não mesmo... – a garota mordia o lábio.
Cruzei os braços, encarando-os com seriedade.

- Quero falar-lhes.

- Pois fale, o que desejas, cidadão?

- A sós. Meninas, aguardem após a curva, caso demoremos, sugiro que sigam para casa.

Os dois torceram o nariz.

- Vão até lá, mas nos esperem, não vamos demorar, ainda nos divertiremos muito. – o menos obeso concordou.

Observamo-as seguindo para onde sugerira e, assim que fizeram a curva, cheguei mais perto deles.

- Melhor manter distância, estamos armados. – o mais obeso, com a respiração acelerada, mostrou a adaga presa à cintura.

- Isso não é necessário. – olhei-o fixamente.

- Então fale, cidadão, o que queres?

Não houve resposta, um forte tapa no rosto jogou-o ao chão.

O outro cogitou apanhar a arma, mas o impedi com um soco no peito, fazendo-o acompanhar o irmão.

- Por Deus! O que queres? – indagou o primeiro, a meus pés.

- Tirar dois malditos estupradores das ruas, o que acham disso?

Vi então o ódio brotar nos olhos dos dois.
O rapaz da praça tinha razão, eram eles os miseráveis.

Por um instante acreditei que eles pudessem partir para cima de mim, atitude que seria ridícula, mas ao menos traria um pouco de emoção, porém, como ocorre com a grande maioria daqueles que molestam mulheres, a valentia não é um ponto forte deles.

- Senhor, pedimos que nos poupe... – o mais obeso já chorava.

- Poupá-los, tal ideia nunca passou-me pela cabeça.

- Nunca forçamos ninguém a nada, elas imploraram para ficarmos com elas, assim como essas duas... – o menos obeso tentava se justificar.

- Sabeis quem somos, sim? Eram todas vadias interessadas em engravidar e assim garantirem a vida! – o chorão se pronunciava.

Se acreditavam que eu desistiria dos meus planos por ouvir suas palavras estavam muito enganados, elas só faziam com que eu tivesse ainda mais certeza de que era certo o que estava por fazer.

Em pé, eu apenas os olhava, dois vermes caídos no chão que sequer tinham coragem de levantar e se defender.

- Imploraram? Sexo? Sim, talvez eu acreditaria, mas o que justificaria as terem espancado, algumas quase até a morte?

O silêncio só não invadiu a noite devido aos lamentos do chorão.

Não havia defesa, muito menos desculpa, e eles pareciam ter ciência disso.

Olhei para a curva e as garotas, horrorizadas, acompanhavam a cena.

- Vão embora! – gritei, no que fui imediatamente obedecido.

Enfim o menos obeso tentou se levantar e correr, mas um chute nas costas fez seu rosto se chocar contra o frio e úmido chão de pedra.

Pelo som que ouvi, algum osso se partira.

- Perdão, senhor, perdão... – o chorão implorava.

- Perdão, desconheço o significado dessa palavra. – disse entre os dentes, agarrando-o pela blusa e trazendo-o para perto do meu rosto.

- Foi ele, senhor, meu irmão é doente, ele quem quis machucar as meninas...

- Gordo miserável, quem sempre quis bater nelas quando riam do seu minúsculo pinto? O fiz por pena de ti, idiota! – o outro se contorcia no chão.

- Tudo por um minúsculo pinto, então... – joguei-o violentamente sobre o irmão.

- Pelo amor de Deus, homem, perdoe-nos, nunca mais faremos isso! – implorou o obeso.

- Tens razão, nunca mais o farão...

O dia amanheceu e a notícia do desaparecimento dos filhos de um dos homens mais ricos da cidade logo se espalhou.

Soube que as duas que os acompanhavam relataram às autoridades o que viram, mas a verdade é que não devam ter sido suficientemente claras, nunca vieram até mim.

Passaram-se alguns dias e enfim os dois corpos foram encontrados, em um estado que prefiro poupá-los da descrição.

Eram então dois lixos a menos que maltratavam mulheres e sei que sozinho sou incapaz de livrar o mundo de vermes como esses, mas ao menos faço o que posso.

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